Poliomielite: queda na cobertura vacinal pode trazer a doença de volta ao Brasil
- novembro/2020
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Entre 1968 e 1989, o Brasil contabilizou 26 mil casos de poliomielite. A infecção, responsável por provocar paralisia infantil, causava surtos que chegavam a 3 mil casos por ano – em especial, durante a década de 1970. Dos anos 1990 para cá, no entanto, esse cenário mudou radicalmente graças a intensas campanhas de vacinação.
Provocada por um tipo de poliovírus, a patologia é considerada altamente contagiosa e não tem cura. As principais formas de infecção são pela água ou por meio de alimentos contaminados. Também é possível contrair pólio através de gotículas eliminadas pela fala, tosse ou espirro.
A paralisia irreversível ocorre em uma em cada 200 infecções. Mas estimativas indicam que até 10% dos pacientes morrem em decorrência da paralisia nos músculos respiratórios. Em tempos de epidemia, a poliomielite era considerada um incidente dramático. Foi apenas a partir da consolidação de uma estratégia de vacinação nacional, nos anos 1980, que a doença começou a ser controlada. Em 1994, o Brasil recebeu o certificado de eliminação da poliomielite.
Nos últimos seis anos, porém, a cobertura vacinal vem regredindo. E a retomada do sarampo é um dos indícios de que mesmo doenças controladas podem voltar e comprometer a saúde da população. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a meta de vacinação em 95% da população. Entretanto, desde 2016 o Brasil alcança no máximo 90% da população. Em 2019, entre janeiro e outubro, a cobertura não passou de 51%.
Segundo o infectologista Leonardo Weissmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e é consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a pólio estava prestes a ser erradicada no país. Mas em meio à queda da cobertura nos últimos anos e às complicações causadas pelo coronavírus, os índices de vacinação deverão ser ainda menores. Os dados de 2020 ainda não foram consolidados, mas as campanhas tiveram que ser prorrogadas até o fim de novembro em diversos estados.
Confira uma entrevista com Leonardo Weissman, que também dedica parte de seu tempo a um trabalho como voluntário pela erradicação da poliomielite no mundo.
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A imunização da poliomielite, assim como de outras doenças, tem sido insatisfatória, especialmente especial em 2020. A que se deva à baixa dos indicadores no Brasil? Qual é a influência da pandemia de coronavírus?
As coberturas vacinais já vinham em níveis insatisfatórios há alguns anos, especialmente depois de 2016. Em 2019, não foi atingida no Brasil a cobertura vacinal preconizada para nenhuma das vacinas que fazem parte do calendário de rotina para crianças. Existem alguns fatores que contribuem para estas baixas coberturas vacinais, como o desconhecimento da gravidade da poliomielite, o medo dos efeitos adversos, a disseminação de informações falsas pelas mídias e redes sociais, os movimentos antivacinas – que estão aos poucos se estabelecendo também no Brasil – a falta de tempo de pais e responsáveis para levar as crianças para vacinar em horário comercial. A pandemia certamente contribui para coberturas menores ainda em 2020, mas ainda não se pode dizer o quanto, porque o ano não acabou e os dados não foram consolidados.
Qual o papel da classe médica nesse cenário? Como intensificar a cobertura vacinal?
O engajamento dos profissionais da saúde é fundamental para que sejam ampliadas as coberturas vacinais, aumentando o alcance das mensagens junto à população, principalmente sobre os benefícios da vacinação. Algumas medidas importantes que também podem contribuir para o aumento da cobertura vacinal são: flexibilização de horário dos postos, parcerias com escolas e universidades, mobilização da sociedade civil e maior envolvimento do Programa de Saúde da Família.
Especialistas apontam que a falta de contato direto com a doença, eliminada nos anos 1990, faz com que a população ‘esqueça’ ou desconheça a gravidade das consequências da poliomielite. Isso ocorre também na formação da classe médica?
Uma melhor capacitação dos profissionais é mais um dos pontos fundamentais para reverter as baixas coberturas. Além de nunca terem visto casos de muitas das doenças prevenidas com vacinas, muitos dos profissionais da saúde desconhecem o calendário e os esquemas recomendados.
Se a queda na cobertura vacina persistir nesse ritmo, é possível que num futuro próximo possamos ter casos de poliomielite no Brasil?
O risco de volta da poliomielite é real, mesmo que não seja em breve, e o retorno do sarampo é prova disso. Enquanto houver circulação do poliovírus em qualquer lugar do mundo, existe o risco de volta da doença, principalmente onde a cobertura vacinal seja baixa e a vigilância não seja adequada. A doença ainda é endêmica em dois países: Afeganistão e Paquistão. Em 2020, já foram confirmados mais de 130 casos até o momento. Vivemos num mundo globalizado, com a circulação de milhões de pessoas todos os dias. Daí a importância de se manter coberturas vacinais de pelo menos 95%, mesmo nos países onde não há mais registros da doença.
E no Brasil, especificamente, qual é a importância da vacinação?
Falta muito pouco para que a poliomielite seja a próxima doença infecciosa a ser erradicada, depois da varíola. É necessária a conscientização de pais e responsáveis sobre a importância da vacinação por aqui, mesmo sem novos casos sendo registrados. As vacinas são eficazes e seguras, além de serem distribuídas gratuitamente nas unidades básicas de saúde. Seria uma catástrofe a volta da doença ao Brasil.
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